Sim, eu decidi abrir um novo escritório. Achei a sala, levei toneladas de livros (foram duas vans cheinhas), levei os móveis, comprei mesa nova que mandei pintar de preto, levei três cadeiras além da minha e mais duas poltronas, levei todos os cacarecos imprescindíveis na minha vida, levei quadros em preto e branco para a entrada e o quadro que me acompanha há 12 anos, enorme, colorido, meu amado.
Já estou lá, mas não posso atender.
Semana 1: peguei uma gripe que se encantou com minhas costas e me abraçou de tal forma que pirei e fui pra cama com ela.
Semana 2: contrato o eletrecista. Dia tal, hora tal e nada. Telefonema: "dra., bati o carro e quebrei o braço, num tô podendo ir". Ok, o cara é O cara nas eletricidade, então a dra. vai procurar um outro e não acha, mas quando acha, o novo cara só pode daqui umas duas semanas pois está instalando a rebimboca de uma fábrica lá aonde o diabo perdeu as botas. Tuuuuudo bem. Estou procurando ainda.
Semana 3: divisórias. Depois de muito procurar, ver, bisbilhotar, a dra. escolheu uma divisória de vidro com suportes em aço escovado, bem lindo, bem tudo e beeeeemmmm caro. Tá, vem de São Paulo, ok, o cara que instala vem de Caxias do Sul, ótimo, chega na quinta pela manhã, maravilha. Pois que a anta aqui não calculou nada, tá me acompanhando?, e os vidros NÃO ENTRAM NO ELEVADOR E NÃO PASSAM PELAS ESCADAS!!!! Sim, amigo, irmão, Deus, tá vendo eu aqui? Não passa! Aí que o andar é baixo e tals, vamos ao que interessa: arrancar a janela para o vidro entrar. Operação Missão Impossível instalada na única rua movimentada dessa cidade, com bancos abrindo suas portas, mães buscando crianças na escola e milhares de crianças, jovens, e etc passando e lógico, parando para ver. Rodinha formada, lá vai o primeiro: ele foi. Lá vai o segundo: foi também. Eis que chega o terceiro vidro carésimo, finérrimo e ele se solta lentamente da corda que o sustenta e vem, lindo, flutuante, acompanhado daquele óóóóóó da platéia reunida e opondo-se a suavidade da queda encontra a rua movimentada numa violenta explosão de brilhos no paralelepípedo.
Silêncio total.
Eu, sentada no meio fio, numa pose de O Grito. A platéia saída do silêncio, começa a arrecadar os cacos. Meus filhos, sim eles estavam lá, mas como mãe zelosa pedi que mantivessem eles do outro lado, bem longe de tudo, aparecem minutos depois com pedacinhos do meu valioso vidro nas mãos e o Pedro diz: "Mãe, não chora, dá pra colar!" e sorri, mostrando que o Paulo também veio com as mãos cheias.
Saí do choro e fui às gargalhadas... Nem lembro direito o que veio depois, mas sei que não apareci na primeira página do jornal local pois outra tragédia aconteceu e o jornal tem 15 páginas e já deviam estar completas.
Estou na semana 4 e já comecei bem. Perdi as chaves do digníssimo escritório. Sabe quando não se tem a menor idéia de onde possa estar? Esta é a situação. Procura, procura, mas procura mesmo e nada. Chama o chaveiro. Ele vai meter um pedaço de grampo na fechadura e vai abrir, certo? NÃO. Depois de n tentativas, pega a furadeira e mete a broca na tal fechadura. Duas horas foi o tempo que levou para que abrissemos a tal. Mas o melhor foi minha colega de andar, vendo a situação, perguntar:
-Que aconteceu?
-Perdi as chaves!
-AONDE TU PERDEU?
Amiga, amigo. Pare e respire e pense: essa criatura merece a resposta ou melhor manter o salto?
Merece.
Ok, perdi a vizinha.
Amanhã vou numa benzedeira, que como diz o porteiro do prédio: "dra., procura uma que fume um charuto bem fedido, que a coisa tá feia pro lado da sra."
Amanhã conto mais, se é que sobreviverei a essa Indiana com cara de indiada que está sendo montar essa escritório.
Entre, fique a vontade.